sexta-feira, 9 de outubro de 2009

III – Ilustradores.

Os públicos livres – na sua capacidade de escolha – foram uma concepção arrojada mas relativamente fugaz, dentro do século XX português. Politicamente, e a História política de Portugal deste período, faz-se entre revoluções e mini-golpes de Estado, a consideração do povo como público depressa foi adoptada e as educações populares um critério sempre presente, fosse qual fosse o sentido directivo do poder instituído.

Com a década de 1930, surge a figura mais marcante do panorama cultural nacional em muito tempo: António Ferro. Não se contabilizando aqui os quês e porquês da sua posição, o relevante é que a ele se deve o início de um processo cujo entorno ditará os costumes gráficos de gerações inteiras, quando não havia a possibilidade de aceder a outros espaços e correntes – mormente anglófonas, a partir de meados do século. A ele se deve o desenhar de uma estrutura politicamente orientada, de criação e desenvolvimento de padrões artísticos. Transcritos através do Secretariado de Propaganda Nacional (fundado em 1933), num primeiro momento, e no Secretariado Nacional de Informação Turismo e Cultura Popular (“fundado” em 1946)[1], sequentemente. A supervivência deste modelo ocorre até tarde e nem a Revolução de Abril o extingue completamente, antes se baseando futuras expressões na final Secretaria de Estado da Informação e Turismo (“fundada” em 1968).

Com António Ferro, mais do que a adequação necessária e desejada a um modo de ver – a dita Política do Espírito, do Estado Novo – cabe lugar, pelos seus próprios apelos, um processo de dinamização artística e da existência minimamente aceite das correntes modernas. Almada Negreiros é muitas vezes referido como o maior expoente desta coexistência inovadora dentro de um regime “conservador”[2].

O Portugal do século XX é, no entanto, um Portugal de múltiplos artistas e de múltiplas produções. O decorrer entre as décadas de 20/30 e as décadas de 60/70, configura um potencial criativo de dimensão bastante superior à que se possa normalmente considerar. É certo que não se verificou a construção de um grupo mais ou menos homogéneo de obras, um estilo específico, ou sequer um seguir “ao tempo” de correntes estrangeiras (apenas Amadeo de Souza-Cardoso é tido como artista pleno no século XX, que aqui se enfoca, e sua respectiva época, “apesar” da sua nacionalidade) mas o que nesta afirmação poderá faltar em completude, é traduzido, em esquemas diversos, pela possibilidade de outros autores, noutros suportes que não a tela ou o mural, fazerem obra. Quantitativa e qualitativamente.

As obras de ilustração, aceites como tal – trabalho, emprego, mas também divulgação – granjearam, ou por falta de opções de carreira ou por mero aproveitar de uma proposta interessante nuns casos, proveitosa noutros, um conjunto bastante alargado de “objectos estéticos”. A haver um pódio, dir-se-ia que foi aos modernistas-surrealistas (e em Portugal faz sentido hifenizar as duas correntes, porventura mais do que em qualquer outro lugar) que coube a maior fatia de realizações marcantes. Pelas obras a que deram origem e pelas colaborações e criações que possibilitaram. Mesmo na década de 1970 se fala ainda de textos surrealistas a publicar e Tristan Tzara e Andrè Breton são nomes de vocabulário imediato para uma franja aceitável. Há contudo um outro pólo, oposto, que traduz provavelmente o melhor da portugalidade artística do período a abarcar: o neo-realismo. Literário e estético, não abandonando um pelo outro nem sacrificando um ao outro.

De todo em todo, seja na figuração, seja no design “simples”, a evolução gráfica da ilustração é também um modo de aferir a evolução gráfica do sentir artístico, na sua generalidade; pictórico em particular.

[1] Que Ferro abandonou em 1949.
[2] Veja-se o caso das Gares Marítimas de Alcântara e da Rocha Conde de Óbidos, cujos murais são da sua autoria. O exemplo de Almada, não é, contudo, único.

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